sexta-feira, 8 de junho de 2018

O GOSTO DO NADA, charles baudelaire & guilherme de almeida

Morno espírito, antigamente afeito à luta,
A Esperança, que te esporeava outrora o ardor,
Não te cavalga mais! Deita-te sem pudor,
Cavalo que tropeça em tudo e em vão reluta.

Dorme, ó meu coração; desiste, ó massa bruta!

Espírito vencido, em ti, velho impostor,
Já não tem gosto o amor, nem o tem a disputa;
Não mais a voz do cobre ou da flauta se escuta!
Deixa esta alma sombria, ó Prazer tentador!

Perdeu a Primavera o seu cheiro de flor.

E o tempo me devora em marcha resoluta,
Como a ampla neve um corpo rijo de torpor;
Contemplo do alto o globo túmido e incolor,
E nele nem procuro o abrigo de uma gruta!

Vais levar-me, avalancha, em tua queda abrupta?

[Le Goût du néant

Morne esprit, autrefois amoureux de la lutte,
L'Espoir, dont l'éperon attisait ton ardeur,
Ne veut plus t'enfourcher! Couche-toi sans pudeur,
Vieux cheval dont le pied à chaque obstacle butte.

Résigne-toi, mon coeur; dors ton sommeil de brute.

Esprit vaincu, fourbu! Pour toi, vieux maraudeur,
L'amour n'a plus de goût, non plus que la dispute;
Adieu donc, chants du cuivre et soupirs de la flûte!
Plaisirs, ne tentez plus un coeur sombre et boudeur!

Le Printemps adorable a perdu son odeur!

Et le Temps m'engloutit minute par minute,
Comme la neige immense un corps pris de roideur;
— Je contemple d'en haut le globe en sa rondeur
Et je n'y cherche plus l'abri d'une cahute.
Avalanche, veux-tu m'emporter dans ta chute?]

BAUDELAIRE, Charles; ALMEIDA, Guilherme de. Flores das 'Flores do mal' de Charles Baudelaire/ carvões de Quirino. Rio de Janeiro: J. Olympio, [1944].

Nenhum comentário:

Postar um comentário