“O botão
desaparece da flor e poderia dizer-se que a flor o refuta; do mesmo
modo que o fruto faz a flor parecer um falso ser-aí da planta,
pondo-se como sua verdade em lugar da flor: essas formas não só se
distinguem, mas também se repelem como incompatíveis entre si.
Porém, ao mesmo tempo, sua natureza fluida faz delas momentos da
unidade orgânica, na qual, longe de se contradizerem, todos são
igualmente necessários. É essa igual necessidade que constitui
unicamente a vida do todo. Mas a contradição de um sistema
filosófico não costuma conceber-se desse modo; além disso, a
consciência que apreende essa contradição não sabe geralmente
libertá-la – ou mantê-la livre – de sua unilateralidade; nem
sabe reconhecer no que aparece sob a forma de luta e contradição
contra si mesmo, momentos mutuamente necessários.”
(Prefácio da
Fenomenologia do Espírito,
Tradução Paulo Meneses, Petrópoles, RJ: Vozes: Bragança Paulista:
Editora Universitária São Francisco, 2012, p. 26)
“31 – [Das
Bekannte] O bem-conhecido em geral, justamente por ser bem-conhecido,
não é reconhecido. É
o modo mais habitual de enganar-se e de enganar os outros: pressupor
no conhecimento algo como já conhecido e deixá-lo tal como está.
Um saber desses, com todo o vaivém de palavras, não sai do lugar –
sem saber como isso lhe sucede. Sujeito e objeto etc.; Deus,
natureza, o entendimento, a sensibilidade etc., são sem exame postos
no fundamento, como algo bem conhecido e válido, constituindo pontos
fixos tanto para a partida quanto para o retorno. O movimento se
efetua entre eles, que ficam imóveis; vai e vem, só lhes tocando a
superfície. Assim o apreender e o examinar consistem em verificar se
cada um encontra em sua representação o que dele se diz, se isso
assim lhe parece, se é bem-conhecido ou não.
32
– [Das Analysieren] Analisar uma representação, como
ordinariamente se processava, não era outra coisa que suprassumir a
forma de seu Ser-bem-conhecido. Decompor uma representação em seus
elementos originários é retroceder a seus momentos que, pelo menos,
não tenham a forma da
representação já encontrada mas constituam a propriedade imediata
do Si. De certo, essa análise só vem a dar em pensamentos,
que por sua vez são determinações conhecidas, fixas e tranquilas.
Mas é um ponto essencial esse separado,
que é também inefetivo; uma vez que o concreto, só porque se
divide e se faz inefetivo, é que se move. A atividade do dividir é
a força e o trabalho do entendimento,
a força maior e mais maravilhosa, ou melhor: a potência absoluta.
O
círculo, que fechado em si repousa e retém como substância seus
momentos, é a relação imediata e portanto nada maravilhosa. Mas o
fato de que, separado de seu contorno, o acidental como tal – o que
está vinculado, o que só é efetivo em sua conexão com outra coisa
– ganhe um ser-aí próprio e uma liberdade à parte, eis aí a
força portentosa do negativo: é a energia do pensar, do puro Eu.
A
morte – se assim quisermos chamar essa inefetividade – é a coisa
mais terrível; e suster o que está morto requer a força máxima. A
beleza sem-força detesta o entendimento porque lhe cobra o que não
tem condições de cumprir. Porém, não é a vida que se atemoriza
ante a morte e se conserva intacta da devastação, mas é a vida que
suporta a morte e nela se conserva, que é a vida do espírito. O
espírito só alcança sua verdade na medida em que se encontra a si
mesmo no dilaceramento absoluto. Ele não é essa potência como o
positivo que se afasta do negativo – como ao dizer de alguma coisa
que é nula ou falsa, liquidamos com ela e passamos a outro assunto.
Ao contrário, o espírito só é essa potência enquanto encara
diretamente o negativo e se demora junto dele. Esse demorar-se é o
poder mágico que converte o negativo em ser. | Trata-se do mesmo
poder que acima se denominou sujeito, e que ao dar, em seu elemento,
ser-aí à determinidade, suprassume a imediatez abstrata, quer
dizer, a imediatez que é apenas essente em geral. Portanto, o
sujeito é a substância verdadeira, o ser ou a imediatez – que não
tem fora de si a mediação, mas é a mediação mesma.”
(Prefácio
da Fenomenologia do Espírito,
Tradução Paulo Meneses, Petrópolis, RJ: Vozes: Bragança Paulista:
Editora Universitária São Francisco, 2012, p. 43-44)
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